BARROS BASTO, MARRANO MIRAGE

LAUNCH OF A NEW BOOK ABOUT BARROS BASTO, THE PORTUGUESE DREYFUS, PORTO, SEPT 2, 2007

(BARROS BASTO: A MIRAGEM MARRANA
DE ALEXANDRE TEIXEIRA MENDES,
por Pedro Sinde a seguir)



Author Alexandre Teixeira Mendes signing copies at launch (photo by Monica Delicato).
Yaacov Gladstone, Dr. Harold Michal-Smith and Isabel Barros Basto Lopes



(All photos copyright of Monica Delicato)



LAUNCH OF A NEW BOOK ABOUT BARROS BASTO, THE PORTUGUESE DREYFUS
Porto, Portugal
mlopesazevedo

It was standing room only at the magnificent Kadoorie Mekor Haim synagogue in Porto for the launch of a new book on the life and work of Captain Barros Basto. The book, by Marrano poet Alexander Teixeira Mendes offers a new vision of the man and his times. Written in Portuguese, (the English translation is underway), it is entitled “Barros Basto, the Marrano Mirage”.

Barros Basto, a former Marrano himself, was a leader and role model for thousands of Marranos hiding in the villages of northern Portugal. He established the first Yeshiva in Portugal, Rosh Pinah, since the forced baptism of Jews in 1497. Captain Basto built the Mekor Haim synagogue during the great depression (completed in 1938, the year 200 synagogues were destroyed in Europe) as a spiritual haven to encourage Marranos to return to their ancestral religion-Judaism.

The revival of open Judaism in Portugal was unacceptable to the totalitarian Salazar government and the Catholic Church. The captain was unjustly accused of homosexual acts and stripped of his military rank and honour for conducting circumcisions on returning Marranos. This was a near fatal blow to the revival of the Marrano movement. Those who came out fled back into hiding, many losing their jobs and ostracized.

Captain Arthur Barros Basto was devastated and died a broken hearted man in 1962. His granddaughter, Isabel Barros Basto Lopes is supporting a campaign being launched by the American and Portuguese Friends of Marranos to clear his name. A petition seeking justice for the captain will soon be launched.

The launch of Barros Basto, the Marrano Mirage, was made possible by the generosity of Dr. Harold Michal-Smith and Yaacov Gladstone, founder and president of the American Friends of Marranos. They were both honoured with a beautiful specially bound limited edition of the book. Mr. Yaacov Gladstone announced a further donation by the American Friends of Marranos to Ladina to support the upcoming publication “Marrano Women in the Inquisition” presently being researched by Fernanda Guimaraes. It is hoped that the women portrayed will be the subject of a play.

The book was presented by philosopher Pedro Sinde and Yaacov Gladstone. Pedro advised the attentive audience not to expect a traditional linear biographical story of the Captain and his work of rescue amongst the thousands of Marranos of northern Portugal. He resorted to a metaphor of a tree to explain the book; Barros Basto is the central trunk of the tree, surrounded by many branches. Accordingly, the author may in fact be describing biographical data, but then shifts to a question concerning the oppression of the Catholic church which in turn is linked to Salazar’s dictatorship, and ultimately returns to the tree trunk in a discussion of the oppression of the totalitarian state on Barros Basto because of his democratic beliefs.
This rich narrative permits the reader to imagine Barros Basto alive, accompanying him in his youth, during the war, in the mysterious Oryamita Institute, in his work of rescue, and in resisting the malicious connivance of the “new state” and the Church. Contrary to most authors, Alexandre transforms the object of his study into his subject, making this a passionate book, not an objective one.

Notably, this is the first time in Portuguese literature, (and this book IS literature, a book within a book with its one hundred and sixty or so lengthy footnotes), that a different concept of Portuguese identity is discussed openly. Following theories developed by Teixeira Pascoais, leader of the Portuguese Renaissance movement at the turn of the 20th century and of Antonio Telmo’s thesis of the secret history of Portugal (Professor Telmo, himself a Marrano, wrote the preface to the book), the author describes the Portuguese psyche as essentially Jewish, a golden thread of Portuguese literature revealed in Sampaio Bruno (the “Covered One” in the 19th century, Fernando Pessoa (the “Message”) in the 20th century, Camões in the epic Lusiadas and Bernardino Ribeiro in “Menina e Moça” in the 16th century, the latter published at the same Jewish printing house in Ferrara that published Samuel Usque’s “Consolation for the Tribulations of Israel” and the Ferrara bible dedicated to Dona Gracia.

A beaming and visibly moved Yaacov Gladstone said how proud he and Dr. Harold Michal-Smith were for helping to make Alexandre’s dream come true. They had met Alexandre four years previously when the book was only a dream.

Yaacov expressed the hope that other organizations such as the American Sephardic Federation, The Joint Distribution Committee, Jewish Federations, etc., will understand the urgency of continuing the work of Barros Basto to bring Jewish education to the Marranos or they will disappear like the Chinese Jews of Kaifeng.

The American and Portuguese Friends of Marranos are determined to help Marranos, wherever they may be, to regain their Jewish identity. Readers who wish to participate in this great mitzvah of bringing Jewish education to the Marranos can make cheques payable to “El Centro de Estudios Judios” and mail it to American Friends of Marranos, 310 Lexington Avenue, Ste. 5D, New York, New York, 10016 or email Yaacov at yanklegladstone@aol.com


mlopesazevedo, Yaacov Gladstone, Dr. Harold-Michal-Smith


PEDRO SINDE




(photo: paulo.gaspar.ferreira@in-libris.pt)


BARROS BASTO: A MIRAGEM MARRANA

DE ALEXANDRE TEIXEIRA MENDES
por Pedro Sinde


Um livro subjectivo

Com este livro de Alexandre Teixeira Mendes estamos
perante uma nova forma de olhar a figura do Capitão
Barros Basto – o “apóstolo dos marranos” –, porque
agora vemos plenamente a sua silhueta bem desenhada
não só como o homem de acção que resplandeceu na
“obra do resgate”, mas também como o homem
contemplativo, místico. Não se trata, felizmente,
de um estudo objectivo, quer dizer,
daquele tipo de ensaios que procura transformar
o sujeito do seu estudo em objecto, para que, pela
distância o veja numa aparência de claridade; pelo
contrário, estamos perante uma clara apologia,
estamos perante um livro deliberadamente
comprometido. É por esta razão que lhe chamo subjectivo,
naquela medida em que Alexandre Teixeira Mendes transforma
o objecto do seu estudo em sujeito, mostrando com vida o
percurso incandescente de Barros Basto, Ben-Rosh.
Dir-se-ia que aquilo que o livro eventualmente perca em
claridade, ganha indubitavelmente em fecundidade.
Naturalmente, esta forma de estudar e apresentar um tema
não é muito bem vista pelas academias. Mas isso não tem
importância, porque deste modo, avisados, podemos
apreciá-lo melhor, isto é, apreciá-lo em si mesmo,
sem corpetes, sem preconceitos que podem ser prejuízos.

Os marranos na caverna de Platão

O marrano aparece-me, na leitura deste livro de Alexandre
Teixeira Mendes, como aquelas figuras da caverna platónica:
durante séculos aprisionados à noite do segredo e do
degredo, deliberadamente aprisionados a um culto que não
era o seu. Um dos seus – o capitão Barros Basto,
Ben-Rosh – libertou-se da caverna e descobriu que a luz lá
de fora já não lhes era adversa, vem então avisá-los,
chamá-los à luz. Mas o marrano está já demasiado habituado
à noite, a noite é o seu dia e, por isso, está relutante
em partir. De algum modo, pressente que no segredo se
esconde alguma coisa de precioso, como se o segredo fosse
para si o que a terra é para a semente. Barros Basto
aparece como o modelo do marrano, o herói. Através
dele podemos sentir a aspiração de cada marrano,
vivendo escondido, mas querendo mostrar-se; desconfiado
das instituições, mas querendo voltar a ver a luz do dia,
a claridade meridiana. É no momento da libertação de
Barros Basto, deixa-nos entrever Alexandre, quando se
liberta da caverna, que percebe claramente que há uma
identidade marrana, que deve ser preservada, mas que,
simultaneamente, o marrano tem voltar à luz do dia.

Um paradoxo tremendo

Esconde-se nesta demanda da identidade marrana um
paradoxotremendo, que Alexandre Teixeira Mendes aborda
delicadamente: se há uma identidade marrana, quando
o marrano for reconduzido plenamente à ortodoxia do
culto sinagogal, essa identidade poderá desaparecer?
Diluir-se-á gradualmente? A sua especificidade nasceu
precisamente da ruptura forçada com as formas do culto
oficial, o que fez com que houvesse uma degenerescência
a esse nível, mas, por outro lado, fez com que se
depurasse a atitude, a intenção,a seriedade; fez,
numa palavra, com que despertassem novas forças
criadoras que supriam a ausência do culto
na sua completude.

Um marrano necessita de conversão ou apenas de retorno?

Alexandre Teixeira Mendes ergue esta questão numa nota
discreta. Faz apenas, honesta e corajosamente,
a pergunta, não responde. Vista pelo lado de fora,
a pergunta parece um absurdo, pois a forma do culto
marrano não parecia ser senão já apenas residual,
em grande parte dos casos. Mas se olharmos esta pergunta
a partir de dentro, talvez haja um sentido fundo que
merece ser reflectido. A vida era mais ou menos fácil
para o judeu que podia praticar às claras o seu culto;
tão fácil que podia cair numa rotina exterior. Difícil
era passar o culto secretamente, como tinha de fazer o
marrano, com risco da própria vida e, o que é mais grave,
com risco de vida dos seus descendentes. Imaginemos um pai
no momento em que resolve transmitir ao seu filho a sua
herança marrana; o drama de saber que, por amor ao seu
Deus, por amor a Deus, tinha de o fazer, até por amor
ao filho; mas na sua mente devia estar bem presente a
ideia de que o seu filho passaria a correr risco de vida.
O quehá de pior para um pai do que pôr em risco a vida
do filho? Por amor ao filho, quer preservá-lo do perigo,
mas, pelo mesmo amor, não pode deixar de lhe dar o seu
melhor tesouro: a sua salvação. Só me ocorre o drama de
Abraão no momento em está prestes a sacrificar Isaac.
Este episódio ilustra que o maior tesouro do homem são
os filhos, mais alto só o amor a Deus. O judeu, que
eventualmente o seja apenas por rotina, será mais
judeu do que este que em nome de Deus põe a sua vida
e a dos seus em risco? É Alexandre que define,
significativamente, o marrano por este modo:
“Judeus exilados entre as nações e
também exilados entre os judeus.”

Subconsciente judaico e consciente cristão

Numa tese brilhante, fecundíssima, que espera ainda quem
retire todas as consequências que dela decorrem, António
Telmo concita a nossa atenção para uma definição do povo
português como sendo cristão no seu consciente e judeu
no subconsciente. Nesta perspectiva, muitos dos cristãos
são judeus que se ignoram como tal, judeus forçados a
reprimir para a sombra a sua identidade mais profunda.
Alexandre chama a atenção para este aspecto que merece
reflexão. Quando se começa a dar a ruptura, em Portugal,
com o judaísmo, acontece esse processo de descida de uma
parte da sua identidade às profundezas do subconsciente.
Esta ruptura é causa de inúmeros males; não são
apenas os judeus que sofrem com isso, é também Portugal
que se vê privado de uma parte essencial da sua identidade.
Não podem deixar de nos ocorrer aqui as figuras de Abel
e Caim.

O livro de Alexandre Teixeira Mendes espelha, curiosamente,
uma estrutura dupla, aquela mesma estrutura dupla que o
marrano adoptou para, simultaneamente, sobreviver e
preservar, como podia, o seu culto: o texto do livro é o
seu consciente;as notas (que ocupam quase outro livro) são
o seu subconsciente. A impressão com que se fica é que as
notas são um sussurro, como se Alexandre ali falasse
baixinho, na esperança de dizer o que
diz apenas para aqueles que o saibam e possam ouvir.

Barros Basto e a Renascença Portuguesa

Uma última palavra sobre o livro. Alexandre Teixeira Mendes
aproxima a acção de Barros Basto da acção da Renascença
Portuguesa. Creio ser a primeira vez que isso acontece,
em todo o caso, é seguramente a primeira vez que
alguém o formula nos termos em que Alexandre o faz.
Na mesma época e pelo mesmo impulso, o capitão procurava
a identidade marrana e os da Renascença a identidade
portuguesa. Não pode deixar de ser notável que Teixeira de
Pascoaes, epígono da Renascença, desse tanta importância
ao elemento semita na formação da identidade e até da
missão histórica de Portugal, sobretudo numa altura em que,
um pouco por toda a Europa, os movimentos anti-semitas
cresciam em violência, preparados por alguns sectores do
ocultismo e, essencialmente, pelo darwinismo. Este livro
único de Alexandre Teixeira Mendes bem merece ser lido por
quantos procuram compreender a identidade marrana em geral
e, em particular, a identidade portuguesa, que tanto tem
perdido com a desintegração de uma parte que sempre ajudou
a constituir a sua vitalidade. Não há-de ser por acaso que
o início da decadência de Portugal coincide com o momento
de ruptura com o povo judeu, que formava uma parte de si.
Mas Caim, destavez, não matou Abel.

(Reconstituição da apresentação)


Pedro Sinde